Pontos de vista

O Plano Diretor de
São Paulo, o Censo e
o dilema dos microapartamentos

O que os microapartamentos, a revisão do Plano Diretor de São Paulo e o Censo podem revelar sobre o mercado imobiliário?

Para além dos memes que rendem, os microapartamentos e studios de até 30 m² são boas opções para quem busca por espaços residenciais menores em regiões disputadas ou para investidores que querem aumentar sua rentabilidade por meio de locações, temporárias ou não.

O fato de esses espaços pequenos se tornarem piada na internet tem motivo: tradicionalmente, a oferta deste tipo de imóvel era baixa. A demanda sempre foi maior por imóveis de 2 e 3 dormitórios, pois as pessoas saíam da casa dos pais quando se casavam, para constituir família. Sempre existiu também uma demanda de famílias já formadas ou em crescimento, saindo do aluguel para a casa própria ou em busca de um novo apartamento, que melhor se adequasse às suas necessidades. 

Hoje, esse hábito está em transformação. Muitos jovens priorizam a independência e, para eles, faz sentido abrir mão de espaço para estar bem localizado, próximo ao trabalho, à vida cultural e social ou a eixos de transporte.

Foi o Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, de 2014, que permitiu o boom de microapartamentos e studios. Entre 2016 e 2022, a oferta saltou de 461 unidades/ano para 16.261 unidades/ano, o que representa 21% do total de unidades lançadas no último ano, segundo o Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais).

Microapartamentos: questão de demanda ou de cultura?

Uma das percepções do mercado até pouco tempo atrás era a de que o mercado pudesse estar inundado de microapartamentos e studios, ou seja, com risco de sobreoferta. Inclusive, uma das pesquisas mais demandadas atualmente em consultoria é a análise de mercado para esse tipo de produto. 

Para ampliar a oferta de apartamentos com área entre 30 m² e 70 m², a revisão do PDE passou a trazer um desconto de 20% no cálculo da outorga onerosa para unidades habitacionais entre 30 m² e 70 m², com Fator de Interesse Social igual a 0,8, anteriormente igual a 1,0. Unidades com área menor ou igual a 30 m² passaram a não receber desconto, pois o Fator de Interesse Social foi alterado para 1,0, anteriormente 0,8. As unidades residenciais com mais de 70 m² tiveram o Fator de Interesse Social mantido em 1,0.

Outro ponto que merece destaque é a ampliação da Cota Parte Máxima de 20 m² de terreno por unidade para 30 m² de terreno por unidade nas Zonas de Estruturação Urbana (eixos de transporte público). Desta forma, o número mínimo de unidades habitacionais a ser construído por terreno passa a ser menor, possibilitando o desenvolvimento de tipologias com áreas possivelmente mais aderentes à cada vizinhança. A variedade de tamanhos nas unidades próximas aos eixos de transporte pode atrair uma diversidade maior de núcleos familiares.  

No entanto, os resultados recém-divulgados do Censo 2022 mostram que a família brasileira está diminuindo. A média de moradores por domicílio encolheu 16% em 12 anos, de 3,31, em 2010, para 2,79, em 2022, segundo a pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No município de São Paulo, a população cresceu 1,8% e o número de domicílios saltou 26%, ante os resultados do Censo 2010.

No Brasil, o número de pessoas que moram sozinhas chega a 11,8 milhões, com os lares unipessoais correspondendo a 15,9% dos domicílios em 2022, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua. Os dados para o município de São Paulo apontam que o número de domicílios com um morador representa 18,2% do total, ultrapassando os de quatro, cinco e seis ou mais moradores, respectivamente com 16,3%, 5,6% e 3,0% do total de domicílios. Em 2022, os unipessoais representavam 841 mil domicílios, que perdiam em unidades para os de dois e três moradores, que somavam 1.426 mil (30,9%) e 1.197 mil domicílios (26,0% do total). 

Ou seja, não é que não exista a demanda por imóveis menores. Em comparação com outras capitais globais, em São Paulo (e no Brasil) ainda é pequena a relação de domicílios unipessoais em relação ao total de domicílios e há oportunidades de expansão. A Finlândia, primeiro lugar no ranking, apresenta 44,7% de domicílios unipessoais, seguida por Alemanha (42,3%), Estônia (41,7%) e Suécia (39,8%). Ainda acima da proporção brasileira, encontram-se países como Itália (32,6%), Reino Unido (29,5%), Estados Unidos (28,4%) e Espanha (25,7%). Estes são dados da UNECE, Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, para o ano de 2019.

O boom de microunidades também está relacionado ao desenvolvimento de uso misto no lote, com a possibilidade de ampliação do potencial construtivo de projetos que mesclem usos residenciais (R) a não-residenciais (nR) nos eixos de transporte. Desta forma, studios construídos como nR, que são quase como flats dos tempos atuais, passaram a ser desenvolvidos em edifícios predominante R, porém com entrada separada, em áreas onde há maior demanda turística, educacional ou de saúde, como nos bairros de Pinheiros, Bela Vista e República, por exemplo. Nestas áreas, observa-se ainda uma forte oferta de microapartamentos para locação por temporada.

PDE orienta ocupação, mas não é solução única

Apesar das críticas acerca da verticalização exagerada da cidade, o Plano Diretor estabelece maior adensamento construtivo nas áreas de influência dos eixos de transporte público, ou seja, no entorno de estações de metrô e trem e corredores de ônibus. A revisão do PDE ampliou o raio de influência desses eixos, que passa a ser de 700 metros nas proximidades de estações de trem e metrô e de 400 metros no entorno das vias de corredores de ônibus. O objetivo é adensar os bairros próximos ao transporte público.

Se, de fato, esses imóveis serão ocupados por quem precisa de moradia, o PDE sozinho não é capaz de responder, uma vez que isso depende de condições sociais e mercadológicas. Seu papel é orientar como a cidade pode ser ocupada, definindo parâmetros de crescimento e preservação.

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Simone Shoji,Gerente, Consultoria
Simone Shoji
Gerente, Consultoria