Reportagem

Como o mercado imobiliário está considerando eventos climáticos para os negócios

O foco no risco financeiro está aumentando à medida que os padrões climáticos se tornam mais intensos e imprevisíveis.

08 de Setembro de 2021

À medida que secas, inundações, incêndios florestais e ondas de calor se tornam mais frequentes e severos ao redor de todo o mundo, investidores imobiliários estão cada vez mais levando em conta o risco climático para projetar os seus negócios. Isso porque, de acordo com a Aon, o clima adverso custou às economias mais de US$ 3 trilhões entre 2010 e 2020.

Nos Estados Unidos, por exemplo, eventos climáticos que causam pelo menos US$ 1 bilhão em danos quadruplicaram nas últimas quatro décadas, conforme dados da National Oceanic and Atmospheric Administration. Na Ásia, cerca de 15 milhões de pessoas em sete cidades podem ser afetadas pelo aumento do nível do mar e inundações costeiras até 2030, de acordo com o Greenpeace Leste asiático.

No Brasil, por sua vez, o Ministério da Saúde aponta que o número de mortes associadas à poluição atmosférica subiu 14% em uma década – de 38.782 pessoas em 2006 para 44.228 em 2016 – e que as internações por problemas respiratórios custaram R$ 14 bilhões ao Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2008 e 2019.

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Conforme a recente revisão do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU adverte e as consequências das mudanças nos padrões climáticos se tornam mais claras, a indústria de real estate está se conscientizando para o que isso significa, tanto para os edifícios existentes quanto para os empreendimentos que estão e serão construídos no futuro.

A prova dessa mudança de pensamento está na pesquisa Descarbonização do Ambiente Construído (conteúdo em inglês), da JLL, em que cerca de 78% dos investidores entrevistados identificaram o risco climático como um risco financeiro. Eles, assim como os desenvolvedores, estão cada vez mais considerando os fatores de risco climático ao decidir onde comprar ou construir, de acordo com um estudo conjunto da Heitman e do Urban Land Institute, produzido em 2020.

"Acho que vamos olhar para 2020 como um ponto de inflexão, catapultando o risco climático para a consciência geral, com o aumento persistente de eventos climáticos extremos", diz Lori Mabardi, diretora de pesquisa em ESG na JLL. "O desejo de entender os riscos e perigos climáticos e como eles podem impactar um portfolio ou ativo está aumentando a cada dia."

Modelagem mais profunda

A tarefa de avaliar portfólios imobiliários e modelar riscos futuros está melhorando à medida que mais ferramentas surgem rapidamente. O Climate Service, que trabalha para incluir o risco climático na tomada de decisões, oferece projeções de modelos climáticos revisados por profissionais que avaliam a localização, a gravidade e o período dos riscos relacionados ao clima. O serviço fornece valor financeiro em risco contra uma série de riscos climáticos físicos e de transição.

"Os investidores são capazes de ver, por exemplo, as potenciais implicações financeiras do aumento do nível do mar ou das temperaturas extremas, entre outros riscos climáticos físicos", diz Annabelle Harris, consultora sênior e líder técnica de risco climático de Serviços de Sustentabilidade da JLL. "Eventos climáticos físicos já estão ocorrendo e afetando os valores dos ativos, levando os investidores a terem uma visão mais de longo prazo em relação ao risco. As implicações diretas nas avaliações de edifícios vulneráveis estão lentamente se tornando mais claras."

Embora a valorização precisa dos imóveis nas áreas afetadas seja complexa, o impacto financeiro das mudanças climáticas está começando a aparecer. Nos EUA, imóveis expostos ao aumento do nível do mar são vendidos com um desconto de 7% em relação a propriedades semelhantes, porém mais protegidas, de acordo com um estudo de 2018  (conteúdo em inglês) da Universidade Estadual da Pensilvânia e da Universidade do Colorado, em Boulder.

E a ferramenta FloodFactor, da First Street Foundation, mostrou em 2018 que residências em oito estados ao longo da costa leste dos EUA perderam um total de US$ 14,1 bilhões em valor devido à inundações causadas pela elevação no nível do mar desde 2005.

É necessário estar preparado

A resposta dos governos nacionais será crucial para determinar o impacto financeiro das mudanças climáticas. Os danos causados por inundações, tempestades e aumento de temperaturas devem custar à cidade britânica Glasgow, por exemplo, cerca de 400 milhões de libras (US$ 553 milhões) por ano e tornar a cidade escocesa tão quente quanto Londres até 2050, de acordo com a coalizão Climate Ready Clyde.

Algumas cidades estão em maior risco do que outras, de acordo com o Relatório Global de Sustentabilidade 2020 da JLL (conteúdo em inglês), e ações estão sendo tomadas a longo prazo. Cingapura comprometeu cerca de US$ 73 bilhões ao longo de 100 anos para preparar o país para os piores níveis de inundação e a cidade de Miami nomeou recentemente seu primeiro chief heat officer, ao mesmo tempo em que o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA propõe um paredão para proteger a Flórida de tempestades.

Embora tais movimentos sejam boas notícias para os investidores, eles só marcam o início do que precisa ser feito a nível global. "Os investidores precisam saber que a infraestrutura em torno de seus ativos é resiliente", diz Jeremy Kelly, diretor de pesquisa global da JLL. "O investimento contínuo das cidades é, portanto, vital para enfrentar o que se tornou uma consequência onerosa do aquecimento global. As cidades precisam mostrar à indústria imobiliária que estão organizadas e prontas para eventos climáticos extremos."

Mas, atualmente, são os investidores mais conscientes que estão levando o clima extremo e o risco climático mais a sério, diz Mabardi. Com a força-tarefa sobre divulgações financeiras relacionadas ao clima, outras obrigações regulatórias e a construção de um movimento em torno deste tópico crítico, provavelmente mais e mais investidores e players da indústria seguirão rapidamente o mesmo exemplo.