Reportagem

Como a COVID-19 está mudando o negócio de supermercado

Os supermercados estão se adaptando para atender à demanda online e nas lojas físicas enquanto as pessoas se protegem

08 de Abril de 2020

Maddie Meyer / Staff Editorial / Getty Image News

Para aqueles que pensavam que fazer compras de supermercado online parecia inusitado há alguns meses, agora está definitivamente em seus radares. 

Prateleiras vazias, tanto físicas como digitais, tornaram-se um símbolo de como a COVID-19 teve impactos abrangentes nas comunidades e no supply chain em todo o mundo. Mercadorias que antes pareciam abundantes, como papel higiênico, produtos de limpeza, água, leite e carne, rapidamente se tornaram difíceis de encontrar.

Na busca por esses itens essenciais, ao mesmo tempo em que seguem as orientações para ficarem em casa, as pessoas se voltaram para as compras online, acelerando a taxa de adoção dos serviços de entrega dos supermercados. A taxa de penetração desses serviços e dos serviços de retirada, “click-and-collect”, nos lares dos EUA, subiu para 31% entre 23 e 25 de março em comparação com 13% nos seis meses anteriores, de acordo com a Brick Meets Click.

Também houve muitos novos adeptos. Mais de 40% dos americanos que pediram entrega de supermercado na semana que terminou em 13 de março, o fizeram pela primeira vez.

“O serviço de entrega de supermercados será o maior beneficiário a longo prazo, pois já era esperado um crescimento antes da COVID-19, e isso está acelerando a taxa de mudança e fazendo com que a curva de adoção seja mais rápida do que se acontecesse organicamente”, diz James Cook, Diretor de Pesquisa de Varejo das Américas da JLL. “Mas a pandemia também destacou a necessidade de supermercados físicos. Esperamos conversões duradouras para os serviços de entrega de supermercado, mas não uma conversão total. As pessoas vão pedir online, usar o click-and-collect e ir a lojas físicas, assim como estão fazendo atualmente.”

O aumento da adoção dos serviços de entregas não significa que as compras nas lojas diminuíram. Na verdade, é o oposto, com um aumento na demanda por mantimentos na loja, parcialmente devido à disponibilidade limitada no serviço online. Certos itens que estavam disponíveis para pedido no início de abril, não serão enviados até o final de maio. Outros não estão disponíveis para pedido.

A indisponibilidade de janelas de entrega de mercadorias, os avisos de “fora de estoque” nas principais plataformas de comércio eletrônico, e até mesmo o cancelamento de certos pedidos online em que o fornecimento foi mal calculado, foram algo raramente experimentado antes desta crise, diz Peter Kroner, Gerente da JLL, Investor Research, Industrial. Isso levou uma multidão de pessoas às lojas. Há mercados e empresas de comércio eletrônico correndo para se adaptar e manter as pessoas protegidas.

“O varejo físico e o supply chain que o alimenta estão atuando como forças estabilizadoras extremamente importantes na sociedade agora”, diz Kroner. “Quando as prateleiras digitais e físicas forem reabastecidas com itens básicos, principalmente papel higiênico no atual contexto, será um sinal de retorno à normalidade: uma calma psicológica.”

Supermercados se adaptam

À medida que os consumidores continuam estocando itens essenciais — além de comprar em pânico e acumular — os supermercados, os serviços de entrega e as empresas de comércio eletrônico estão se adaptando rapidamente para atender à demanda dos consumidores e lidar com o território desconhecido de como manter funcionários e clientes seguros contra o vírus.

A demanda entre os canais levou a um aumento na contratação. Três grandes empresas, só do ramo de entregas de supermercado, anunciaram recentemente planos para 550.000 novas contratações.

“Março de 2020 foi um mês recorde para os supermercados do Reino Unido, quando 88% das famílias britânicas foram às compras e os limitados canais online foram literalmente sufocados pela alta demanda de entregas”, diz Tim Vallance, Head de Serviços ao Investidor e Presidente de Varejo da JLL, EMEA. “Isso levou o maior supermercado do Reino Unido, Tesco, a contratar 7.500 estoquistas e motoristas de vans para aumentar as entregas online de seus clientes em 120.000 por semana.”

As lojas também estão fazendo alterações físicas em seus layouts para se adaptar ao distanciamento social. Algumas criaram sistemas de tráfego unidirecional, com “áreas claramente demarcadas de 1,80 metro, que mantêm os compradores distantes dentro e fora da loja”, diz Vallance. Também disponibilizaram estações de limpeza de carrinhos e cestas, e telas acrílicas, feitas de Plexiglas ou Perspex, para proteger os caixas.

Esses protetores contra espirros, que eram mais frequentemente usados principalmente em áreas de entrega de alimentos, estão agora em alta demanda nos supermercados.

“Já vimos mais de 60% de nossos clientes de varejo e instituições financeiras em todos os EUA perguntarem sobre a instalação de protetores de espirros e marcadores de distanciamento social dentro de sistemas de filas como resultado da COVID-19”, diz Todd Burns, Presidente de Serviços de Projeto e Desenvolvimento da JLL. “Esses sistemas geralmente são muito baratos para instalar, variando de algumas centenas de dólares a mil dólares, dependendo do local de instalação e do sistema que está sendo usado.”

Muitas lojas só permitem um certo número de clientes de cada vez. A Target e Costco estão entre aqueles que limitam os números com base no que é considerado apropriado para o distanciamento social e monitoram a longa fila que muitas vezes se forma fora da loja enquanto os clientes esperam.

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Outra maneira que os supermercados estão ajudando é evitando que os clientes tenham que entrar na loja. Mais supermercados estão possibilitando que os clientes comprem online e retirem na loja, com opção na calçada e até mesmo em drive-thru, diz Emily Albright Miller, Vice-Presidente, Estratégia, Big Red Rooster, uma empresa JLL. Nos EUA, os pedidos online com retirada na loja aumentaram 62% entre 24 de fevereiro e 21 de março, em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com o Adobe Digital Economy Index.

“Estamos realmente vendo a adaptabilidade de todo o supply chain”, diz Miller. “Os supermercados mostraram sua flexibilidade e esperamos que muitas dessas mudanças, como a curva de adoção acelerada do click-and-collect, continuem a longo prazo.”

Para tentar evitar o acúmulo, supermercados, incluindo Costco, Target, Vons e Trader Joe's, assim como muitas plataformas de comércio eletrônico, estão limitando a quantidade de compra de certos itens, seguindo o que foi feito em lojas de países asiáticos, que instituíram limites anteriormente. Em fevereiro, por exemplo, a maior cadeia de supermercados de Cingapura, FairPrice, impôs limites de compra que impediam compradores individuais de comprar mais de quatro embalagens de produtos de papel, como papel higiênico e lenços faciais, dois sacos de arroz e quatro pacotes de macarrão instantâneo.

Muitas lojas reservaram horas específicas de compras para compradores de risco, como os imunocomprometidos e os idosos. Isso inclui grandes varejistas como Target, bem como cadeias de lojas de supermercados nacionais como Albertsons e ALDI. Também inclui cadeias locais e regionais como o Lassen, no sul da Califórnia, que abre uma hora antes para consumidores do grupo de risco, depois que a loja passou por um esforço de sanitização, permitindo apenas algumas pessoas de cada vez, para o máximo distanciamento social.

A Publix lançou sistemas de pagamento sem contato durante a pandemia, incentivando os clientes a usar métodos como Apple Pay e Android Pay em seus dispositivos pessoais, para evitar o contato com caixas e máquinas de cartão de crédito.

Enquanto as prateleiras não estão totalmente abastecidas em todas as áreas globalmente, a força do supply chain começa a se mostrar, oferecendo esperança.

“Apesar da continuidade da epidemia no Reino Unido, os supermercados já estão relatando alguma normalidade, retornando aos padrões de compra após o período inicial de pânico”, diz Vallance. “Por outro lado, as vendas em abril estão caindo significativamente à medida que o Reino Unido se adapta ao lockdown e há uma percepção de que o supply chain dos supermercados está funcionando de forma bastante eficiente.”

A necessidade de galpões e criatividade

O crescimento do comércio eletrônico e o aumento das expectativas de entrega rápida já estavam influenciando os desenvolvedores a construírem mais armazéns nas cidades, porém menores ou mesmo verticais, mais próximos dos clientes, em conjunto com o tradicional modelo de hub-and-spoke do passado, diz Kroner. O coronavírus acelerará essa tendência.

Domenico Marino, da Agência de Logística e Industrial da JLL em Milão, tem visto um aumento na demanda por espaços de armazéns em cidades dentro da Itália, um dos países mais atingidos pela COVID-19, já que as pessoas dependem cada vez mais de compras online.

“Os provedores de logística e as redes de supermercados estão procurando espaços, mas há um bloqueio completo nas visitas aos locais”, diz Marino. “Recorrendo a uma variedade de ferramentas tecnológicas existentes e filmagens de drones e videógrafos, podemos fazer passeios virtuais.”

O que é importante lembrar, diz Kroner, é que o supply chain está sendo submetido “ao mais extremo stress-test desde a Segunda Guerra Mundial”. No entanto, espera-se que permaneça resiliente.

“Quanto mais clientes puderem evitar o acúmulo e confiarem que, enquanto a demanda for alta, os produtos chegarão às prateleiras físicas e digitais de forma rápida e eficiente, mais cedo chegaremos ao ideal de um supermercado nos tempos de hoje: prateleiras abastecidas com papel higiênico tão alto quanto os olhos podem ver.”