Minha caminhada, minhas escolhas
"Neste mês que celebra a nossa luta por equidade de gênero, espero que meu relato pessoal possa servir de reflexão e de inspiração para outras mulheres. A caminhada é de todas nós, assim como as nossas escolhas."
Venho de uma família de quatro mulheres e sou a mais velha de três irmãs. Costumo dizer que meus pais, que estão casados há quase 50 anos, sempre foram feministas sem nunca saberem disso. Portanto, acredito que a maneira como fui criada me influenciou de forma decisiva para lidar com todas as questões que tive que enfrentar ao logo da minha caminhada no que diz respeito ao preconceito de gênero.
Por muito tempo, fomos nômades. Meu pai trabalhou por 45 anos em uma grande construtora no Brasil, razão pela qual pude morar em inúmeros lugares, dentro e fora do país, desde que me entendo por gente. Tive a oportunidade de morar em lugares com realidades bem diferentes da minha, como no Congo (África) e no México. Em ambos, experimentei, desde muito jovem, situações de extremo preconceito.
No Congo, aos 12 anos, fui espancada por um grupo de jovens homens congoleses ao regressar a pé para casa da escola. Fui resgatada por um colega de escola, que ouviu meus gritos de desespero e correu em minha direção, dispersando o grupo. Hoje, sei que o desfecho teria sido muito mais trágico se meu colega não tivesse aparecido e intercedido.
No México, por sua vez, passei por inúmeras situações, principalmente por ser uma mulher brasileira, na universidade, com os amigos, no trabalho e na sociedade em geral. "Não sorria demais, fica parecendo que você é 'fácil'"; "Você tem estado ultimamente triste, desanimada, parece que quer chamar a atenção dos rapazes!"; "Não é adequado você dar carona para o seu colega, é papel do homem te buscar em casa", entre tantas outras coisas que ouvi do tipo. Era muito difícil pra mim traçar a linha entre saber "respeitar os mecanismos da cultura local" e manter meus valores de equidade à frente. Naquela época, em 1996, nem mesmo eram mencionados temas sobre diversidade ou equidade de gênero.
Mais tarde, já à frente da gestão de projetos em ambientes majoritariamente masculinos, em várias ocasiões tive que me impor para fazer valer minhas habilidades, pois a primeira impressão era a de que não estavam certos se eu aguentaria toda a pressão que estava por vir, pela natureza de tais projetos. Em um projeto específico, enfrentei inicialmente o sentimento de desconfiança de alguns gestores (todos homens) - colegas de trabalho na mesma empresa - por se sentirem incomodados com uma mulher assumindo o comando.
Tive que criar algumas estratégias, como me antecipar ainda mais frente a possíveis problemas, ser a primeira a chegar, a última a sair, entender quais eram as questões que colocavam em risco a atuação do time, afetando também a dignidade da equipe perante o cliente e, em muitas vezes, precisei levantar a voz para me fazer ouvir ou para terminar minha fala quando era interrompida. Sempre precisava de uma energia extra para quebrar paradigmas e vieses. O ponto-chave para mim foi sempre ter muito claro que o meu papel naqueles contratos era, sim, de liderança, e eu não estava ali para abrir mão disso. Ainda assim, em 99% das vezes foi um trabalho comigo mesma de pura resiliência, sobretudo para não permitir que o medo ou a dúvida se sobrepusesse às minhas capacidades ou sobre quem eu sou na íntegra.
No entanto, é preciso reforçar aqui que é extremamente cansativo ter que despender uma energia adicional desenvolvendo estratégias para provar que “apesar de mulheres, somos capazes”. Infelizmente, o machismo ainda está muito presente na América Latina e, embora pareça um pouco mais brando no Brasil, ainda causa sérios danos em nossas vidas e carreiras, pois sempre está ali, ao nosso lado, muitas vezes de forma velada e sutil.
A jornada para uma mudança completa de mentalidade, na minha visão, é longa, e acredito que, enquanto mulheres, devamos nos manter alertas, focadas e unidas para conseguirmos mudar esse status quo. De minha parte, estou fortemente comprometida com esta mudança, e convido todas a também o estarem - é sobre sororidade, sobre resiliência, sobre ocuparmos nossos lugares de direito.
Neste mês que celebra a nossa luta por equidade de gênero, espero que o meu relato pessoal possa servir de reflexão e de inspiração para outras mulheres. A caminhada é de todas nós, assim como as nossas escolhas.