Reportagem

Como uma nova era de megarregiões está tomando forma

Em todo o mundo, conglomerados urbanos vêm progressivamente se tornando potências econômicas.

07 de Outubro de 2019

Em um processo de rápida urbanização, são diversos os exemplos de cidades vizinhas que estão se unindo para criar megarregiões capazes de impulsionar cada vez mais a economia global.

A América do Norte ostenta diversas delas, como a área da Baía de São Francisco. Já na Europa, a zona metropolitana de Randstad, na Holanda, possui uma influência econômica significativa.

A Ásia não fica atrás. A Grande Área da Baía, na China, é uma megarregião com o dobro do tamanho da Bélgica e abrange 11 municípios, incluindo o centro financeiro de Hong Kong, o centro administrativo e comercial de Guangzhou e a cidade de Shenzhen, próspera em tecnologia, conectadas por uma ferrovia de alta velocidade e infraestrutura que permite uma comunicação eficiente entre a população e as empresas.

“As megarregiões têm um alto grau de conectividade entre os vários centros urbanos e especializações que impulsionam a produtividade econômica.”

Jeremy Kelly, diretor global de Pesquisa, JLL

Com 70 milhões de habitantes, a Grande Área da Baía abriga pouco menos de 5% da população, mas contribui para 12% do total do PIB da China, o que a torna uma das economias mais produtivas do país. O governo anunciou planos para transformar a região em um centro de inovação tecnológica global, e assim reduzir as barreiras à negociação financeira entre as cidades.

“A coordenação hierárquica das autoridades municipais é fundamental para conectar as cidades regionais que se destacam em diferentes habilidades e indústrias. Como parte de uma megarregião unificada, cada cidade desempenha um papel crucial no aumento da produtividade e do valor geral da região”, afirma Daniel Yao, líder de Pesquisa da JLL China.

Resposta ao crescimento urbano

Na China, os planejadores urbanos estão investindo na política e na infraestrutura das megarregiões para distribuir estrategicamente a indústria e a população que estão em rápida expansão no país.

Foi recentemente anunciada a iniciativa de criar uma megarregião para desenvolver 19 clusters de cidades menores em torno de um centro primário, incluindo a Área da Grande Baía, bem como a economia do Delta do Rio Yangtzé, próxima de Xangai, e a região de Jingjinji, perto de Pequim.

As cidades de Jingjinji, por exemplo, poderiam ajudar a absorver as altas taxas de crescimento de Pequim — e aliviar a sua poluição e o seu congestionamento.

“Muitas cidades nas megarregiões propostas estão estimulando inovações em indústrias secundárias, como manufatura e logística”, comenta Yao. “As megarregiões podem atrair um maior número de talentos de outras áreas, facilitar o crescimento econômico e a capacidade tecnológica de cada cidade e, sobretudo, conduzir a China de uma economia de investimento para uma economia impulsionada pelo consumo”, acrescenta.

A China, entretanto, está longe de ser o único país que usa as megarregiões para gerenciar o crescimento econômico. “Essa é uma resposta ao ritmo frenético da urbanização, uma maneira de dissipar a pressão nas principais cidades do mundo”, observa Jeremy Kelly, diretor global de Pesquisa da JLL.

Dependentes de bons sistemas de transporte, megarregiões podem desafogar grandes cidades 


No Reino Unido, a futura ferrovia de alta velocidade HS2 poderia significar o surgimento de uma nova megarregião entre Londres e Birmingham, ajudando a aliviar a pressão sobre o mercado imobiliário e o trânsito da capital.

Cidades desafiadoras

Os principais obstáculos para as megarregiões em expansão são a escala e o custo do investimento necessário para aprimorar o transporte e a infraestrutura que possibilitem os cidadãos trabalharem ou realizarem negócios em áreas próximas a estações de metrô.

Em toda a Área da Grande Baía, por exemplo, três moedas estão em uso, e os trabalhadores que viajam entre Hong Kong, Macau e China continental precisam mostrar uma identificação.

Para as autoridades, também pode ser um desafio considerar suas cidades como parte de uma economia coletiva. “Enquanto a região agora chamada de Grande Área da Baía se formou de maneira bastante orgânica, as megarregiões planejadas, como Jingjinji, dependem de políticas e do desenvolvimento da infraestrutura. Isso é um grande desafio para as autoridades e as empresas da cidade”, ressalta Warner Brown, diretor de Pesquisa da JLL China.

Pode ser difícil mesmo quando os governos municipais se destacam ao estreitar laços econômicos e culturais. “As cidades são unidades muito envaidecidas, e seus cidadãos — o elemento mais importante — orgulham-se de seu legado singular”, observa Kelly.

Na Holanda, a megarregião de Randstad, que abrange dezenas de cidades, foi formada há décadas, com a criação da metrópole holandesa. Lá, a ferrovia de alta velocidade conecta Amsterdã, Roterdã, Utrecht e Haia, permitindo que cada pessoa recorra aos recursos de três outras cidades a menos de uma hora de distância. “Mas quem mora em Amsterdã e Roterdã se considera diferente, da mesma forma que aqueles que moram em Manchester e Liverpool”, comenta Kelly.

Trabalho conjunto

O sucesso da região da Grande Área da Baía da China e do Delta do Rio Yangtzé também indica a importância de indústrias complementares dentro das megarregiões modernas. “Para as megarregiões chinesas que serão desenvolvidas, as autoridades poderiam observar como a Grande Área da Baía e o Delta do Rio Yangtzé dividiram as funções econômicas entre suas cidades”, destaca Brown.

Da mesma forma, San Diego e Tijuana representam uma região com uma relação econômica complementar: San Diego é um centro de inovação de alta tecnologia que combina bem com o centro de manufatura de Tijuana, e os cidadãos trabalham e circulam constantemente entre as duas cidades. Essa região ainda atravessa as fronteiras do país de forma singular.

“As tensões geopolíticas e a distância geralmente fazem das megarregiões internacionais um grande desafio administrativo e cultural”, declara Kelly. “Contudo, San Diego e Tijuana mostram que essas regiões podem ser bem-sucedidas, assim como ocorre com Copenhague, na Dinamarca, e Malmo, na Suécia, ou Viena, na Áustria, e Budapeste, na Hungria.

E no Brasil?

Trem-bala que ligaria São Paulo ao Rio de Janeiro não saiu do papel


No Brasil, não é segredo, a maior concentração de capital está no Sudeste, mais precisamente em São Paulo e no Rio de Janeiro. A ideia de amalgamar ainda mais as duas cidades por meio de um trem de alta velocidade continua engavetada, mas não esquecida.

Em abril, dois meses antes de pedir demissão do cargo de presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Joaquim Levy ressuscitou a intenção de ter um trem-bala ligando os municípios de São Paulo e Campinas. O projeto inicial, do governo de Dilma Rousseff, abrangia também o Rio, encurtando o trajeto de mais de 400 km entre as principais capitais do Brasil para menos de 2h por terra.

Os planos não caminharam com a mesma velocidade, e o trem-bala não foi viabilizado para a Copa do Mundo de 2014 nem para as Olimpíadas de 2016 ou para depois desses grandes eventos. Faltaram investidores privados interessados em embarcar no projeto, cujo custo previsto era de R$ 23 bilhões, dos quais R$ 20,8 bilhões seriam financiados pelo BNDES.

O futuro da economia global

Com previsão de quase 70% da população mundial vivendo em centros urbanos até 2050, as megarregiões estão se tornando cada vez mais influentes.

“Essas redes urbanas desempenharão um papel econômico e político mais proeminente”, afirma Kelly. “Os governos municipais terão uma perspectiva mais externa, conectando-se uns com os outros em iniciativas como mudança climática e sustentabilidade.”

Por isso, as decisões globais mais importantes provavelmente serão tomadas nas áreas urbanas. “Haverá um grau de mudança de poder potencial do nível nacional para o nível municipal. A população das megarregiões mais produtivas do mundo será responsável pelos desafios de nossa sociedade global”, antevê Jeremy Kelly.

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